A
casa é simples, agradável, inspiradora. No muro, orquídeas de variadas cores
chamam a atenção de quem chega. O gato Tapume, simpático, sociável, enorme, faz-se
notar de imediato. Assim é a moradia de Alzira Maria Miranda Espíndola, 57,
hoje Alzira E, sem o ponto de abreviação, como ela faz questão de frisar, cantora
sul-mato-grossense, radicada em São Paulo há quase trinta anos. Alzira Como o
sobrenome já denuncia é irmã de Tetê Espíndola, famosa nos anos 80 com “Escrito
nas estrelas”, música vencedora do Festival dos Festivais da Rede Globo de 1985.
Sétima dentre oito irmãos, dos quais seis são músicos, Alzira sempre buscou sua
independência musical. “Não é fácil ser irmã de uma voz tão rara. É difícil ter
esse desprendimento”. A cantora revela que não sabia de seu potencial. Nos
vocais que fazia para a irmã cantava em soprano. Descobriu mais tarde que era
contralto e que podia ir mais além do que imaginava. “Tive que trabalhar meu
psicológico para libertar minha voz".
O
início
Alzira diz que precisa desfazer um
grande equívoco sobre o início de sua carreira. Em 1977, os quatro irmãos
Geraldo, Tetê, Celito e Alzira gravaram o disco “Tetê e o Lírio Selvagem”. Mas após
o trabalho, a gravadora quis investir apenas na voz de Tetê e dispensou o
restante do grupo. “Naquele momento, o sonho caiu por terra. A gente tinha
começado na sala de casa, éramos um Beatles”.
Lamenta. “A Tetê era a estrela, mas não éramos um grupo qualquer”, conclui. Nesta
mesma época, Alzira, então com dezoito anos de idade, engravidou da primeira,
dos cincos filhos e voltou para sua terra. “A vida me pegou de outro jeito”,
reflete. No grupo, tocava violão de 12 cordas e fazia alguns vocais, mas não
tinha autonomia.
Ao
contrário do que se conhece por aí, sua vida profissional teve início no ano de
1985, quando lançou o primeiro disco independente, produzido pelo conterrâneo e
amigo, Almir Sater. Antes disso, ela não fazia a menor ideia do que estava
vivendo. Era levada pelos irmãos mais velhos. Fazia o que lhe mandavam. Estava
muito ligada à família. Quando voltou para São Paulo em 85, a irmã já era sucesso
nacional. “A Tetê me chamou para tocar com ela, mas eu não quis. Não queria
atrapalhar sua carreira. As pessoas não entenderam, acharam que eu estava com inveja”,
recorda. Apesar da dor, aquela foi uma decisão crucial para sua vida. Após o
impacto inicial diante da negativa, Alzirinha como é chamada pelos irmãos
ganhou respeito. “Eu já tinha quatro filhos e estava separada. Precisava do
dinheiro. Foi difícil. A Tetê ficou magoada, mas depois ela entendeu”, conta.
Parcerias
Alzira E divide sua trajetória em três fases:
a primeira que ela define como algo ligado às raízes, no seio de sua terra, com
família e amigos. “Tive o privilégio de estar ligada a três talentos do Mato Grosso
do Sul”. Ela se refere aos irmãos Tetê e Geraldo e ao amigo Almir Sater. Alzira
fala com orgulho sobre a parceria com o violeiro famoso. O músico fazia parte
de sua turma de escola. Ela diz que notou antes de todos o talento do músico
galã, coisa que o grande público só viria a conhecer anos mais tarde. “Era algo
intuitivo, sincero, nunca busquei as coisas pela oportunidade, sigo o que vejo
que é profundo”, afirma.
A segunda fase foi ao lado de Itamar
Assumpção, um dos grandes nomes da Vanguarda Paulista, nos anos 70 e 80. Foi
após conhecer o músico que ela começou a compor de verdade. “Com ele, veio a
poética, o autoral”. A cantora se emociona ao falar do parceiro que morreu no
momento em que a internet nascia. “Ele chegou a ter um computador, mas não
pegou a era das redes sociais”, entristece-se. Com o músico fez uma turnê pela
Alemanha. Ela conta que ficou admirada de ver como Assumpção era querido por
lá, diferentemente do que acontecia aqui. “Lá as pessoas ficavam enlouquecidas
e aqui ele se apresentava numa salinha minúscula e o cachê era pouco. Às vezes
ele nem recebia”, lembra. Em breve, Alzira pretende lançar um trabalho inédito
com Itamar Assumpção. Até hoje ela lamenta a perda do amigo e compadre, e só
agora, quase dez anos depois, consegue pensar em lançar o trabalho há muito
engavetado.
Na
fase atual da carreira tem como parceiro, arrudA. Poeta paulistano, filho da
poeta Eunice Arruda. A poesia de arrudA é diferente, ousada, minimalista. “Ele
nunca havia trabalhado com música e poema puro. É uma poesia sintética que fala
uma língua exclusiva. Fala muito em poucas palavras”. As músicas desta pareceria
fazem parte do CD mais recente de Alzira, Pedindo
a Palavra, produzido pelo baixista Du Moreira e lançado em 2011. “Os poemas
pediam um som que os envolvessem”, diz.
Música
e família
Alzira, desde criança, tem um carinho
especial pela poesia. Ela já musicou Cora Coralina (Rio Vermelho) e trabalhou
com a poetisa Alice Ruiz. As primeiras poesias que teve contato foram escritas
por sua mãe, Alba Miranda que, aliás, deixou como legado toda a parte artística
que envolve a família Espíndola. Alzira conta com alegria que a mãe tinha um
gosto refinado. Artistas como Orlando Silva, Ângela Maria, Dalva de Oliveira,
Noel Rosa eram os seus preferidos. Alba também pintava e cantava. Eis uma de
suas primeiras e mais felizes lembranças musicais. Os tios trigêmeos que
tocavam piano erudito também agregaram valor musical à pequena Alzira e seus
irmãos. Havia também os grupos paraguaios, amigos de seu pai, que nos
aniversários tocavam as Guarânias tristes sob as janelas do aniversariante. Aos
oito anos, conheceu Beatles, aos doze Jimi Hendrix e Janis Joplin e aos
quatorze todo o rock dos anos 70. Quem apresentava as novidades eram os amigos
dos irmãos mais velhos. Todos iam para a casa dos Espíndola para ouvir o disco
do momento. “Todos os amigos se reuniam em casa, essa era a festa”, sorri ao recordar.
Neste contexto, Alzira lembra que a primeira música que tocou no violão foi Chove Chuva de Jorge Ben Jor, aos 12
anos.
Há
quinze anos, as irmãs Tetê e Alzira juntaram-se para realizar o trabalho Anahí
(índia guerreira). Alzira revela que o projeto foi pensado como forma de
homenagear a mãe. Clássicos como Chalana,
Meu primeiro amor e Galopeira eram algumas
das músicas que Alba gostava de cantar. Mas no início houve certa preocupação
por parte da mãe. “Ela disse: não vão brigar por causa de trabalho”, lembra. “Mas
ela não chegou a ver o trabalho pronto. Ela morreu antes do lançamento”,
lamenta e conclui que tudo isso serviu para unir ainda mais ela e a irmã. O
projeto é sucesso até hoje e, qualquer música, de acordo com a cantora, pode se
tornar Anahí. Em momento de descontração lembra que algumas pessoas pensam que
Anahí é uma terceira cantora.
Nova
geração, novo nome
Alzira acredita que a nova geração da
música brasileira cumpre bem o seu papel. “Sinto que esses jovens talentosos
respeitam a história da música brasileira. Trabalham em função de fomentar e
resgatar a nossa música, longe do comercial”. Talentos como Ana Eliza Assumpção,
Anna Cañas, Márcia Castro, Peri Pani, Dani Black, filho da Tetê, e as filhas Iara
Rennó e Luz Marina, chegaram para enriquecer o mercado musical independente. Para ela, as novas formas de conhecimento, por
meio da internet, é o que possibilita essa condição. “A internet para a música
é a melhor coisa que existe”, defende. Ela diz que seu público tem aumentado
com o advento das redes sociais. “Nunca consegui divulgar direito as minhas
obras e nos últimos 10 anos, tenho conseguido maior público e também tem crescido
em mim, a vontade de fazer coisas novas para essas pessoas,” declara.
Faz
cinco anos que Alzira decidiu trocar o sobrenome Espíndola para E. A cantora conta
que esta não é a primeira vez que tenta muda-lo. A primeira tentativa foi no
disco AMME, - as iniciais de seu nome e sobrenome-, ainda em parceria com
Itamar Assumpção. “O nome não pegou”, diz. Aliás, quando tudo ficou pronto,
depois de muito suor, o produto LP saiu do mercado e entrou o CD. O disco não
foi distribuído. Mas recentemente, Alzira resgatou o trabalho e lançou o show O
que é o que é... AMME, no qual faz uma mescla de antigas e novas músicas.
Uma curiosidade interessante envolve a
segunda tentativa de mudança de nome. No lançamento do sétimo CD, ela que
nasceu de sete meses e é a sétima filha. Além de Alzira E conter sete letras,
sentiu que era o momento certo para investir no novo nome e tentar desvincular-se
definitivamente do Espíndola, que sempre lhe trouxe confusão. Ela
constantemente era confundida com a irmã e até com os irmãos, ao ponto de, em
certa ocasião, apresentarem-na como Celito Espíndola. Embora tenha esse tom
cabalístico em torno do número sete, Alzira afirma que não foi intencional. Aconteceu. “Acho também que esse E é coerente,
porque estou sempre acompanhada por alguém especial”, analisa. No acervo
pessoal da cantora, momentos de sua trajetória musical, ao lado dos parceiros,
dos irmãos, dos filhos e dos amigos famosos como Ney Matogrosso e Zélia Duncam,
que inclusive já gravaram músicas de sua autoria.
Alzira
diz que nunca trabalhou pensando só em ganhar dinheiro, mas pelo prazer, por
amor à arte. “Para mim isso é entrega e para entregar-se é preciso, antes de
tudo, acreditar”, enfatiza. Ela não tem aposentadoria nem plano de saúde, mas
vive bem. A música sempre a sustentou e guiou sua vida. Com ela criou os cinco
filhos. E isso a enche de orgulho.
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