quinta-feira, 4 de abril de 2013

Análise> O Enigma de Kaspar Hauser

Imagem Google
O Filme conta a história de Kaspar Hauser, um indivíduo que surge, não se sabe de onde, na Alemanha, no início século XIX, e que entrou tardiamente para a comunidade linguística. Misteriosamente, o rapaz não fora apresentado a nenhuma forma de linguagem; não sabia falar, escrever nem tinha coordenação motora desenvolvida. Por ter vivido isolado, era um ser fora do mundo. Apesar disso, havia nele certa docilidade. A música o encantava de forma imensurável e ele queria poder ser capaz de executá-la ao piano.

Hauser não tinha noção de verticalidade ou horizontalidade. Não sabia discernir entre sonho e realidade e, assim, sentia-se triste e ferido, pois possuía um vazio existencial. A música, neste sentido, o preenchia e por isso era tão importante para ele, pois esta, além de ser uma linguagem universal, está além da expressão verbal, além das limitações linguísticas. A música é natural ao homem, e, por isso, consegue alcançá-lo no mais íntimo do seu ser e ela tocava Hauser profundamente.

Kaspar Hauser tinha certa dificuldade em aceitar os preceitos da sociedade. Ele fazia questionamentos sobre religião e o papel da mulher e do homem naquele contexto. Além disso, não sabia contar sobre seu passado, sua história, pois não conseguia articular, interpretar ou relacionar acontecimentos vividos. O homem é a única espécie que transmite informação essencial para a vida, por meio de narrativas, de histórias que conta, ao longo de sua existência. Kaspar Hauser, no entanto, foi privado desta condição. Ele não ouviu e, desta forma, não aprendeu a contar sua própria história. Assim, de acordo com o filme, Kaspar Hauser não desenvolveu a linguagem naturalmente, mas culturalmente. Visto que quando apareceu apenas repetia que queria “ser tão bom cavaleiro como meu pai foi”, mas com a convivência com as pessoas foi aprendendo o que lhe ensinavam.  

Neste sentido, a história de Kaspar Hauser enquadra-se na teoria do relativismo linguístico, na qual a experiência determina a linguagem. Assim, o ser humano constrói-se a partir da cultura e da língua do contexto que o circunda. A experiência refere-se àquilo que o sujeito é capaz de captar pelos cinco sentidos, ou seja, a relação dele com o meio. Nesta visão teórica, a linguagem é fator determinante para a forma de cada indivíduo ser e estar no mundo.

Dois pensadores da teoria relativista são: O antropólogo Edward Sapir (1884-1939), nascido na Alemanha, mas criado nos Estados Unidos e seu aluno, o engenheiro químico norte-americano, Benjamin Lee Whorf (1897-1941). A hipótese formulada por eles leva o nome de Sapir-Worf e diz respeito à relação de uma sociedade com sua visão de mundo. De acordo com a hipótese essa visão é relativa a traços característicos da língua de uma determinada comunidade. Cada povo vê e capta a realidade a sua volta por meio de classes gramaticais e semânticas de sua língua. Há desta forma, uma interação entre linguagem e cultura. “De fato, ‘o mundo real’ é em larga escala construído de forma inconsciente com base nos hábitos do grupo”. [1]

Assim, é possível perceber que o fato de Kaspar Hauser não ter sido inserido na vida social como qualquer outro ser humano o impossibilitou de desenvolver, não apenas a linguagem, mas também a consciência de si. Quando encontrado ele não possuía noção de identidade, visto que é no contato com o outro que o ser humano se constrói e percebe-se como ser único e, ao mesmo tempo, como parte do mundo que o cerca. Consequentemente, mesmo depois que aprendeu a andar, a sentar-se à mesa e a falar, toda complexidade que envolvia a língua, seus signos, símbolos e até própria vida também não lhe fazia sentido como fazia para os outros seres humanos. De acordo com Sapir: “A linguagem é uma grande força de socialização, provavelmente a maior que existe. Com isso não queremos dizer apenas o fato mais ou menos óbvio de que a interação social dotada de significado é praticamente impossível sem a linguagem, mas que o mero fato de haver uma fala comum serve como um símbolo peculiarmente poderoso da solidariedade social entre aqueles que falam aquela língua”.[2]

O ser humano ao nascer é, até certa idade, completamente dependente da mãe. Neste sentido, o sujeito que não tem contato com outras pessoas, isto é, que não tem quem lhe cuide, alimente, ensine a andar, a falar, certamente, este ser não sobreviverá. De acordo com o filme, Hauser sobreviveu, porque alguém o alimentou durante os anos em que ficou isolado. Sob esta perspectiva, o homem não vive sozinho, é um ser que precisa do outro para viver e que está em constante construção, o que significa que, ao longo de toda a sua vida, está apto a aprender.






[1]  [Sapir, “The status of linguistics as a science”, 1929]
[2]  [Sapir, language, 1921]

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