quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Perfil - DE REPENTE ALZIRA E


A casa é simples, agradável, inspiradora. No muro, orquídeas de variadas cores chamam a atenção de quem chega. O gato Tapume, simpático, sociável, enorme, faz-se notar de imediato. Assim é a moradia de Alzira Maria Miranda Espíndola, 57, hoje Alzira E, sem o ponto de abreviação, como ela faz questão de frisar, cantora sul-mato-grossense, radicada em São Paulo há quase trinta anos. Alzira Como o sobrenome já denuncia é irmã de Tetê Espíndola, famosa nos anos 80 com “Escrito nas estrelas”, música vencedora do Festival dos Festivais da Rede Globo de 1985. Sétima dentre oito irmãos, dos quais seis são músicos, Alzira sempre buscou sua independência musical. “Não é fácil ser irmã de uma voz tão rara. É difícil ter esse desprendimento”. A cantora revela que não sabia de seu potencial. Nos vocais que fazia para a irmã cantava em soprano. Descobriu mais tarde que era contralto e que podia ir mais além do que imaginava. “Tive que trabalhar meu psicológico para libertar minha voz".

O início

Alzira diz que precisa desfazer um grande equívoco sobre o início de sua carreira. Em 1977, os quatro irmãos Geraldo, Tetê, Celito e Alzira gravaram o disco “Tetê e o Lírio Selvagem”. Mas após o trabalho, a gravadora quis investir apenas na voz de Tetê e dispensou o restante do grupo. “Naquele momento, o sonho caiu por terra. A gente tinha começado na sala de casa, éramos um Beatles”. Lamenta. “A Tetê era a estrela, mas não éramos um grupo qualquer”, conclui. Nesta mesma época, Alzira, então com dezoito anos de idade, engravidou da primeira, dos cincos filhos e voltou para sua terra. “A vida me pegou de outro jeito”, reflete. No grupo, tocava violão de 12 cordas e fazia alguns vocais, mas não tinha autonomia.
Ao contrário do que se conhece por aí, sua vida profissional teve início no ano de 1985, quando lançou o primeiro disco independente, produzido pelo conterrâneo e amigo, Almir Sater. Antes disso, ela não fazia a menor ideia do que estava vivendo. Era levada pelos irmãos mais velhos. Fazia o que lhe mandavam. Estava muito ligada à família. Quando voltou para São Paulo em 85, a irmã já era sucesso nacional. “A Tetê me chamou para tocar com ela, mas eu não quis. Não queria atrapalhar sua carreira. As pessoas não entenderam, acharam que eu estava com inveja”, recorda. Apesar da dor, aquela foi uma decisão crucial para sua vida. Após o impacto inicial diante da negativa, Alzirinha como é chamada pelos irmãos ganhou respeito. “Eu já tinha quatro filhos e estava separada. Precisava do dinheiro. Foi difícil. A Tetê ficou magoada, mas depois ela entendeu”, conta.

Parcerias

Alzira E divide sua trajetória em três fases: a primeira que ela define como algo ligado às raízes, no seio de sua terra, com família e amigos. “Tive o privilégio de estar ligada a três talentos do Mato Grosso do Sul”. Ela se refere aos irmãos Tetê e Geraldo e ao amigo Almir Sater. Alzira fala com orgulho sobre a parceria com o violeiro famoso. O músico fazia parte de sua turma de escola. Ela diz que notou antes de todos o talento do músico galã, coisa que o grande público só viria a conhecer anos mais tarde. “Era algo intuitivo, sincero, nunca busquei as coisas pela oportunidade, sigo o que vejo que é profundo”, afirma.
A segunda fase foi ao lado de Itamar Assumpção, um dos grandes nomes da Vanguarda Paulista, nos anos 70 e 80. Foi após conhecer o músico que ela começou a compor de verdade. “Com ele, veio a poética, o autoral”. A cantora se emociona ao falar do parceiro que morreu no momento em que a internet nascia. “Ele chegou a ter um computador, mas não pegou a era das redes sociais”, entristece-se. Com o músico fez uma turnê pela Alemanha. Ela conta que ficou admirada de ver como Assumpção era querido por lá, diferentemente do que acontecia aqui. “Lá as pessoas ficavam enlouquecidas e aqui ele se apresentava numa salinha minúscula e o cachê era pouco. Às vezes ele nem recebia”, lembra. Em breve, Alzira pretende lançar um trabalho inédito com Itamar Assumpção. Até hoje ela lamenta a perda do amigo e compadre, e só agora, quase dez anos depois, consegue pensar em lançar o trabalho há muito engavetado.
Na fase atual da carreira tem como parceiro, arrudA. Poeta paulistano, filho da poeta Eunice Arruda. A poesia de arrudA é diferente, ousada, minimalista. “Ele nunca havia trabalhado com música e poema puro. É uma poesia sintética que fala uma língua exclusiva. Fala muito em poucas palavras”. As músicas desta pareceria fazem parte do CD mais recente de Alzira, Pedindo a Palavra, produzido pelo baixista Du Moreira e lançado em 2011. “Os poemas pediam um som que os envolvessem”, diz.  

Música e família

Alzira, desde criança, tem um carinho especial pela poesia. Ela já musicou Cora Coralina (Rio Vermelho) e trabalhou com a poetisa Alice Ruiz. As primeiras poesias que teve contato foram escritas por sua mãe, Alba Miranda que, aliás, deixou como legado toda a parte artística que envolve a família Espíndola. Alzira conta com alegria que a mãe tinha um gosto refinado. Artistas como Orlando Silva, Ângela Maria, Dalva de Oliveira, Noel Rosa eram os seus preferidos. Alba também pintava e cantava. Eis uma de suas primeiras e mais felizes lembranças musicais. Os tios trigêmeos que tocavam piano erudito também agregaram valor musical à pequena Alzira e seus irmãos. Havia também os grupos paraguaios, amigos de seu pai, que nos aniversários tocavam as Guarânias tristes sob as janelas do aniversariante. Aos oito anos, conheceu Beatles, aos doze Jimi Hendrix e Janis Joplin e aos quatorze todo o rock dos anos 70. Quem apresentava as novidades eram os amigos dos irmãos mais velhos. Todos iam para a casa dos Espíndola para ouvir o disco do momento. “Todos os amigos se reuniam em casa, essa era a festa”, sorri ao recordar. Neste contexto, Alzira lembra que a primeira música que tocou no violão foi Chove Chuva de Jorge Ben Jor, aos 12 anos.
Há quinze anos, as irmãs Tetê e Alzira juntaram-se para realizar o trabalho Anahí (índia guerreira). Alzira revela que o projeto foi pensado como forma de homenagear a mãe. Clássicos como Chalana, Meu primeiro amor e Galopeira eram algumas das músicas que Alba gostava de cantar. Mas no início houve certa preocupação por parte da mãe. “Ela disse: não vão brigar por causa de trabalho”, lembra. “Mas ela não chegou a ver o trabalho pronto. Ela morreu antes do lançamento”, lamenta e conclui que tudo isso serviu para unir ainda mais ela e a irmã. O projeto é sucesso até hoje e, qualquer música, de acordo com a cantora, pode se tornar Anahí. Em momento de descontração lembra que algumas pessoas pensam que Anahí é uma terceira cantora.

Nova geração, novo nome

Alzira acredita que a nova geração da música brasileira cumpre bem o seu papel. “Sinto que esses jovens talentosos respeitam a história da música brasileira. Trabalham em função de fomentar e resgatar a nossa música, longe do comercial”. Talentos como Ana Eliza Assumpção, Anna Cañas, Márcia Castro, Peri Pani, Dani Black, filho da Tetê, e as filhas Iara Rennó e Luz Marina, chegaram para enriquecer o mercado musical independente.  Para ela, as novas formas de conhecimento, por meio da internet, é o que possibilita essa condição. “A internet para a música é a melhor coisa que existe”, defende. Ela diz que seu público tem aumentado com o advento das redes sociais. “Nunca consegui divulgar direito as minhas obras e nos últimos 10 anos, tenho conseguido maior público e também tem crescido em mim, a vontade de fazer coisas novas para essas pessoas,” declara.
Faz cinco anos que Alzira decidiu trocar o sobrenome Espíndola para E. A cantora conta que esta não é a primeira vez que tenta muda-lo. A primeira tentativa foi no disco AMME, - as iniciais de seu nome e sobrenome-, ainda em parceria com Itamar Assumpção. “O nome não pegou”, diz. Aliás, quando tudo ficou pronto, depois de muito suor, o produto LP saiu do mercado e entrou o CD. O disco não foi distribuído. Mas recentemente, Alzira resgatou o trabalho e lançou o show O que é o que é... AMME, no qual faz uma mescla de antigas e novas músicas.
Uma curiosidade interessante envolve a segunda tentativa de mudança de nome. No lançamento do sétimo CD, ela que nasceu de sete meses e é a sétima filha. Além de Alzira E conter sete letras, sentiu que era o momento certo para investir no novo nome e tentar desvincular-se definitivamente do Espíndola, que sempre lhe trouxe confusão. Ela constantemente era confundida com a irmã e até com os irmãos, ao ponto de, em certa ocasião, apresentarem-na como Celito Espíndola. Embora tenha esse tom cabalístico em torno do número sete, Alzira afirma que não foi intencional.  Aconteceu. “Acho também que esse E é coerente, porque estou sempre acompanhada por alguém especial”, analisa. No acervo pessoal da cantora, momentos de sua trajetória musical, ao lado dos parceiros, dos irmãos, dos filhos e dos amigos famosos como Ney Matogrosso e Zélia Duncam, que inclusive já gravaram músicas de sua autoria.
Alzira diz que nunca trabalhou pensando só em ganhar dinheiro, mas pelo prazer, por amor à arte. “Para mim isso é entrega e para entregar-se é preciso, antes de tudo, acreditar”, enfatiza. Ela não tem aposentadoria nem plano de saúde, mas vive bem. A música sempre a sustentou e guiou sua vida. Com ela criou os cinco filhos. E isso a enche de orgulho. 

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