terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

ECONOMIA, POLÍTICA E A FOME NO MUNDO

A vida é uma incógnita. O homem, ao descobrir-se pensante, capaz de autodenominar-se como tal, tentou de várias maneiras, decifrá-la e explicá-la. Pouco conseguiu em tal propósito. Ao longo de sua existência e de suas diversas formas de pensamento, este ser complexo, paradoxal e inconstante lançou seu olhar sobre o meio que o cerca. Usou e abusou de tudo que encontrou pela frente. Consumiu os recursos da natureza. Sob o signo do desenvolvimento transformou-a, em muitos fatores, negativamente. Ele percebeu que tê-la a seu serviço era mais vantajoso do que viver integrado à ela. Desta forma, buscou a todo custo, riqueza. Com esse pensamento fez guerras. Matou inocentes. Construiu bombas atômicas. Quis sempre mais e mais, sem pensar nas condições primeiras da matéria: ela é escassa e perecível.
Ao longo da história da humanidade, grandes potências econômicas governadas por políticos poderosos regeram o mundo. Os benefícios sempre foram para poucos. Os olhos mantiveram-se fechados para as necessidades em comum e bem abertos para a finalidade única de satisfazer desejos particulares. Por meio de acordos políticos, más gestões, negligência, desvios de verbas privilegiaram-se e condenaram milhões de pessoas a uma vida miserável, à pobreza extrema, à fome e muitas vezes à morte. Sobre esse aspecto vale a pena ressaltar um dos períodos mais tristes e cruéis da história. Um crime contra a humanidade, protagonizado por Joseph Stálin em meio à Revolução Russa, mais especificamente, entre 1932/1933. O líder socialista da União Soviética, com dificuldades no trato sobre a estatização das terras da Ucrânia ordenou o confisco de todos os suprimentos alimentícios locais. Batatas, beterrabas, grãos. Tudo foi confiscado. Com a ajuda do Exército Vermelho, um cordão de isolamento foi colocado para que ninguém pudesse sair daquelas terras nem receber ajuda de fora. Em um ano, sete milhões de ucranianos morreram de fome. Os Milhões de toneladas de grãos confiscados dos camponeses foram exportados para o Ocidente[1].    
Hoje, de acordo com o relatório sobre O Estado da Insegurança Alimentar no Mundo 2012 (SOFI), no biênio 2010-2012, divulgado no dia 09 de outubro/12, em Roma pela FAO, FIDA e PMA[2], há no planeta, 2 bilhões de pessoas desnutridas e quase 870 milhões passam fome, o que equivale a 12,5% da população mundial. A maior parcela das pessoas sob essa condição, 852 milhões, vive nos países em desenvolvimento. E 16 milhões de pessoas subnutridas estão nos países desenvolvidos.
No prefácio do relatório os reponsáveis pela FAO, FIDA e PAM, José Graziano da Silva, Kanayo F. Nwanze e Ertharin Cousin, respectivamente declaram: “No mundo de hoje, com oportunidades técnicas e econômicas sem precedentes, consideramos totalmente inaceitável que mais de 100 milhões de crianças menores de cinco anos tenham peso insuficiente e não possam, portanto, alcançar o seu potencial humano e socioeconômico, e que a subnutrição infantil seja a causa de morte de mais de 2,5 milhões de crianças por ano.”
Os países da África sempre apresentaram um quadro elevadíssimo de subnutrição de sua população. O continente caracteriza-se pela constante presença da fome. As principais causas desta realidade naqueles países estão relacionadas à dependência econômica externa - fruto do período colonial -, à forma de ocupação territorial e ao grande crescimento populacional - só nos últimos quatro anos, foram agregadas ao continente quase 20 milhões de pessoas. Os africanos representam 15% da população mundial. No mesmo período, a quantidade de pessoas com fome que representava 175 milhões, subiu para 239 milhões. Outro agravante são as terras improdutivas para a agricultura, que se transformam em curto prazo, em áreas de desertificação, terras que têm sua capacidade fértil esgotada. O plantio de monoculturas destinadas ao mercado externo também contribui para o agravamento da situação.  
Cerca de 22,9% dos africanos não têm acesso às quantidades mínimas diárias de calorias necessárias para sua sobrevivência. Esta característica é chamada de fome oculta. Parte dessa população pode morrer de fome pela ausência ou insuficiência de nutrientes no organismo, como cálcio, proteína e potássio. A falta de vitamina A e do complexo B causam raquitismo, debilita o sistema imunológico no combate a vários tipos de doenças no organismo. Assim, o indivíduo fica vulnerável a contrair viroses, patologias bacterianas, consequentemente, fica impedido de trabalhar e sem dinheiro para comprar alimento.
Conforme James Morris, diretor-executivo do PMA, a carência de alimentos gera vulnerabilidade política. Neste sentido, a fome é simultaneamente causa e consequência da pobreza. Outro fator que deve ser levado em conta no contexto da fome são as condições climáticas. A FAO estima que Até 2050, 20% da população corre o risco de passar fome em virtude das perdas de produtividade associadas ao clima. A maioria dessas pessoas vive na África subsaariana. O levantamento aponta que entre os países em desenvolvimento, a região que mais sofre com problemas de subnutrição localiza-se no sul da Ásia, são 36% do total.
O Brasil é o segundo maior exportador de produtos agrícolas do mundo. Detém 22% de terras cultiváveis do globo e ainda assim, de acordo com o relatório, cerca de treze milhões de brasileiros passam fome ou sofrem com a subnutrição. O número equivale a 6,9% da população.

ANO DE SECAS

Os Estados Unidos, a maior potência agrícola do planeta, sofreu com uma grande seca este ano de 2012. A pior dos últimos cinquenta anos.  De acordo com uma matéria publicada na CNN, no mês de setembro/12, o calor excessivo do verão gerou sérios problemas de produção e estes se estenderão até 2013. Quase 80% dos Estados Unidos continentais foram afetados pela seca. E ainda, Rússia e Ucrânia também provaram a amarga experiência e viram seus produtos se perderem pelos mesmos motivos. A seca arrasou as principais culturas dessas regiões. Conforme a matéria, a safra de milho deve cair ao menor nível desde 1995. Em julho os preços do milho e do trigo aumentaram cerca de 25% cada e os da soja cerca de 17%. 
      De acordo com o economista-chefe global Bill Witherell[3], quando há noticias de crise no setor alimentício, o mundo inteiro fica em estado de alerta e de grande preocupação. No entanto segundo ele, as implicações destas secas recaem com maior impacto sobre países em desenvolvimento. Estes são os que mais sofrem os efeitos negativos dessas ocorrências. A população pobre não tem dinheiro para arcar com os aumentos de preços. De acordo com informações do Banco Rabobanck[4], divulgadas em setembro deste ano, o índice de preços de alimentos pode aumentar em até 15%. Há temor de que haverá uma nova crise de alimentos no mundo – a terceira em quatro anos. A instituição aponta que os preços globais dos alimentos deverão atingir níveis recordes em 2013. Além das secas já citadas, outra razão para o aumento dos preços é baixa estocagem de culturas de alimentos.

AVANÇO, DEGRADAÇÃO, DESPERDÍCIO

São inegáveis os benefícios dos avanços tecnológicos. A medicina, a cura de doenças, o aumento da expectativa de vida entre outros ganhos científicos que transformaram o modo de existir do ser humano, ao longo do tempo. No entanto, isso só foi possível, por meio da exploração dos recursos naturais. Ou seja, para se alcançar um, inevitavelmente, foi preciso destruir o outro.
O mundo, hoje, fala em conciliar o uso equilibrado dos recursos ambientais disponíveis com o atendimento às necessidades humanas sob o viés da economia. Agir de forma a harmonizar estes três fatores é atuar visando o futuro do planeta e das gerações que nele habitarão. Para se conseguir tais objetivos, todavia, é preciso mais que palavras. A situação pede urgência.      
As contradições, no entanto, estão longe de serem sanadas. No texto sobre alimentação apresentado no RIO+20, em junho deste ano, a FAO aponta dados impressionantes[5]. Avalia-se que cerca de 1,3 bilhão de toneladas de alimentos sejam desperdiçados, por ano, no mundo. Isso corresponde a um terço de toda produção alimentícia do planeta. Outro ponto que deve ser considerado refere-se à degradação dos solos. Estima-se que, anualmente, cerca de 24 bilhões de toneladas de terras férteis tornam-se improdutivas, afetando, desta forma, 1,5 bilhão de pessoas a nível global. Outro dado mostra que desde o começo do século XX até hoje, já foram perdidas aproximadamente 75% da diversidade de culturas nos campos agrícolas.  
Interessante o que Edgar Morin[6], diz sobre a economia em relação à sociedade. Segundo ele, os “Experts” desta área de conhecimento não são capazes de prever o desenvolvimento econômico, mesmo a curto prazo, já que ela – a economia - não “dialoga” com as outras ciências. Em suas palavras: “A economia, a ciência social matematicamente mais avançada, é também a ciência social humanamente mais fechada, pois abstrai das condições sociais, históricas, políticas, psicológicas, ecológicas, inseparáveis das atividades econômicas.” Conforme Morin para que se compreenda os problemas essenciais do mundo é preciso “mobilizar o todo”, ou seja, todas as áreas do conhecimento devem cruzar umas com as outras. Pois tudo está interligado. No âmbito individual, cada ser humano deve perceber-se como parte do todo, não como um observador apenas. Deve entender que não é o centro do mundo, mas um integrante dele. Para que isso ocorra, no entanto, segundo o sociólogo, é necessária uma reformulação universal do pensamento.
       Muitas causas dos desequilíbrios sociais estão ligadas às formas de governança e divisão dos bens. Sacrificam-se os recursos ambientais para a satisfação dos desejos de uma minoria. Enquanto a maioria desfavorecida padece pelos quatro cantos do planeta. Entretanto, quando a natureza decide se pronunciar, os homens do poder, da política, da economia, da tecnologia tornam-se pequenos e pouco podem fazer para detê-la. Assim, os especialistas podem prever a chegada de tsunamis, furacões, terremotos, secas, inundações, mas não conseguem impedir que eles sejam devastadores. E, claro, que sempre quem paga o preço mais alto é a população mais carente. E é nesse sentido que os governos deveriam agir. Primeiramente, inserindo as populações mais pobres nos planos econômicos. Consequentemente, a partir desta inserção muitas questões que assolam o mundo seriam resolvidas.
Todavia, pensando de forma pessimista sobre a natureza humana, seu caráter exploratório e sua transformação interior quando imbuído de poder, chega-se a conclusão de que o homem dificilmente abrirá mão de seus interesses pessoais em prol dos interesses comuns. Por outro lado, ainda há esperanças. Basta pensar que a vida é uma constante de transformações. Talvez, em um futuro longínquo, a reforma do pensamento citada por Morin realmente ocorra e as novas sociedades experimentem uma forma de existir menos injusta.

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Referências Bibliográficas
Quase 870 milhões de pessoas no mundo estão subnutridas – novo relatório sobre a fome
Visualizado em 25/11/12 – 19h
“As principais causas da fome na África” – visualizado em 24/11/12 – 14h
“Why 2013 will be a year of crisis” – “Por que 2013 será um ano de crise”
Visualizado em 24/11/12 – 15h



[1] Documentário  “The Soviet Story” (A história da união Soviética) – 2008. Dir. Edvins Snore
[2] Respectivamente - Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura; Fundo Internacional de Desenvolvimento agrícola; Programa Mundial de Alimentos.
[3] Consultor sênior de Finanças e Governança Corporativa da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
[4] Coöperatieve Centale raiffeisen-Boerenleenbank BA – A global leader in Food and Agri financing and in sustainability-oriented banking
[5] Texto produzido pelo Departamento de Informação Pública das Nações Unidas.
[6] Sociólogo francês – um dos principais pensadores da Teoria da Complexidade 

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